Nas últimas décadas, unir produção de alimentos e geração de energia renovável deixou de ser utopia de pesquisadores para virar pauta concreta em universidades e empresas de todo o mundo. Um exemplo emblemático vem da University of Arizona, onde ecólogos do Laboratório Biosphere 2 instalaram painéis solares sobre canteiros de tomate, feijão-fradinho e manjericão, testando se a sombra parcial poderia reduzir temperatura e consumo d’água sem derrubar a colheita.
No Brasil, onde a seca avança sobre o Nordeste e parte do Cerrado, a discussão ganha urgência. Instituições como a Universidade Federal do Ceará e a Embrapa Semiárido já analisam adaptações locais do modelo, avaliando tanto a resposta de culturas regionais quanto a viabilidade técnica de integrar painéis ao sistema elétrico rural. Afinal, se dá certo no deserto do Arizona, por que não no sertão de Petrolina?
A ideia parece simples: erguer fileiras de módulos fotovoltaicos alguns metros acima do solo e plantar debaixo deles. Essa “dupla safra” de energia e alimentos traz efeitos microclimáticos decisivos. Sob a sombra filtrada, o solo perde menos água por evaporação e a temperatura do ar cai de 1°C a 2°C nas horas mais quentes. Para culturas que sofrem com o chamado estresse térmico, momento em que a fotossíntese despenca, esse alívio pode significar sobrevivência.
Os painéis também reduzem o chamado déficit de pressão de vapor, um indicador da sede do ar. Menos sede equivale a menos transpiração, logo, a planta fecha parcialmente seus estômatos e economiza água. Não é coincidência que, no experimento do Arizona, a produtividade hídrica (quilos colhidos por litro de água) mais que dobrou para tomate e feijão quando o manejo foi combinado com irrigação 50 % menor.
Nesta fase, quem mais se anima são agricultores familiares e cooperativas que lidam diariamente com conta de luz alta, bomba de irrigação cara e chuvas cada vez mais irregulares. Entre as vantagens práticas, destacam-se:
Esses pontos transformam a agrovoltaica em alternativa particularmente atraente para regiões de agricultura irrigada que já possuem infraestrutura elétrica, como os perímetros públicos de Petrolina-Juazeiro ou os polos frutícolas do Vale do São Francisco.
Nem tudo, porém, são flores, ou kWh verdes. O maior obstáculo está no custo inicial: a estrutura metálica precisa ser mais alta e resistente que em fazendas solares convencionais. Além disso, a manutenção do cultivo exige corredores de o e cuidado para evitar sombreamento excessivo em fases de floração sensíveis à luz.
Outro desafio é regulatório. No Brasil, legislações de uso do solo e de conexão à rede ainda não tratam especificamente da “colheita dupla”. Estados como Minas Gerais e Rio Grande do Sul já elaboram diretrizes para acelerar licenciamentos, enquanto cooperativas do Sul buscam linhas de crédito diferenciadas no Banco do Brasil e no BNDES.
A adoção ampla de agrovoltaica pode redefinir o mapa energético-alimentar do país. Além de multiplicar a geração distribuída, a tecnologia reduz a pegada hídrica da agricultura, hoje responsável por cerca de 70% da água consumida nacionalmente. Em cenários de mudança climática, essa eficiência será crucial para garantir segurança alimentar sem pressionar ainda mais os reservatórios.
Por fim, há impacto social. Comunidades rurais ganham nova fonte de renda, fixam jovens no campo e ampliam a autonomia energética. Tal convergência de benefícios coloca a agrovoltaica entre as soluções mais promissoras para um Brasil que busca, ao mesmo tempo, combater a crise climática e manter a mesa farta.
Agrivoltaics as a climate-smart and resilient solution for midday depression in photosynthesis in dryland regions. 6 de junho, 2025. Barron-Gafford, G.A., Murphy, P., Salazar, A. et al.